Tinham coisas que estavam me incomodando no
trabalho, não era nada com ela. Mas aquela reação de chegar tão calada perto de
mim e permanecer quieta quando deitei no
sofá com ela me garantiam que tinha sobrado pra ela minhas preocupações.
Sai do banho e a cama estava arrumada, cheguei na
cozinha ainda de toalha e o meu café estava na mesa, do jeito que ela sempre
fazia, mas a caneca dela não estava, tampouco ela. Procurei na varanda, já que
o apartamento é pequeno e da sala da pra ver tudo, e ela não estava. A mochila
que fica pendurada do lado da estante não estava. Então reparei num bilhete que
estava perto da minha câmera. Ela dizia que precisava ir e não tinha como
esperar até eu sair do banho. Irritei-me. Gostava dela, mas uma coisa que eu
não gostava nem um pouco era quando ela agia como criança, isso raramente
acontecia, mas acontecia. Tomei meu café, me arrumei e então sai de casa.
Percebi que a carona dela naquele dia eu não dei.
Cheguei na gravadora e a confusão já estava feita,
tão cedo, e tão desgastante.
- Eu não o escolhi. – Gritava Lia.
- Mas tem que trabalhar com ele. – Gritava de volta
o Logan.
- Não vou fazer meu trabalho com esse garoto, o
estilo dele não me agrada, não me convence e não...
- Cala a boca, Lia. Você tem que fazer o trabalho
que te foi imposto, se não quiser tudo bem, acerto as coisas com você mais
tarde e você poderá trabalhar com alguém que você goste.
Eles me olhavam fixamente e eu revidava o olhar
mostrando que paciência eu não tinha. Olhei o garoto que estava sentado no divã
por trás da Lia. Ele estava realmente assustado. Empurrei a Lia da minha frente
e falei ao garoto:
- Vem comigo, eu e ele – apontei pro Logan – é que
vamos cuidar de você.
Ele levantou, pegou o violão e entrou pro estúdio
comigo e o Logan logo atrás.
- Dave, espera. – A Lia agora calma me chamou – Me
desculpa. Eu não ter agido desse jeito, é que não vejo espaço pra música dele
aqui na gravadora. Eu não gosto desse estilo, sabe?
- Olha, aqui é trabalho e não casa de show que você
pode escolher o que vai tocar. Aqui nós fazemos o trabalho como o cliente pede
e manda. Se ele canta o estilo dele nada nós temos a ver, fazemos nosso serviço
e pronto.
- Não se zanga comigo, estou vendo que a gravadora
não anda tão bem quanto antes e por isso você anda tão preocupado.
- Dave, vamos? – O Logan me chamou.
- Depois a gente conversa, Lia.
Entrei e fiz meu trabalho como todos os dias, mas
aquele em especial estava pesado e eu não estava me sentindo bem, em uma das
pausas tentei ligar pra Savana mas não consegui. Na hora do almoço sai com
Logan e com a Lia, estava mesmo na hora de conversarmos.
- Vamos aos fatos. A Gravadora está quebrada.
- Eu só queria saber o motivo de você ser tão
pessimista, Lia.
-Mas ela está certa, Logan. Estamos quebrados. – Eu
disse me jogando na cadeira.
- Não estar, Logan, e você sabe que não. Se vocês
dois deixassem de ser cabeças duras e me ouvissem uma vez se quer, poderia ser
importante. Entramos nessa juntos há dez anos e vocês raras vezes me ouvem,
posso saber o motivo?
- Mas vai começar isso? – A Lia perguntou já
começando a se exaltar.
- Lia, cala essa boca. Sua mania de querer gritar
em toda conversa me dar nos nervos.
- Os dois já me mandaram calar a boca hoje, vão me
bater?
A Lia era minha amiga mais antiga, a conhecia desde
que tinha quatorze anos e ela doze, nunca foi uma adolescente convencional,
talvez por isso que se deu tão bem comigo. Quando saímos do Arizona, ela com
dezoito e eu com vinte, sabia que nossa vida em Nova Iorque não seria tão fácil.
Tínhamos sonho de formarmos uma banda de rock e fazermos sucesso pelo mundo,
mas o máximo que conseguimos com isso foi tocar em bares, conhecer o Logan um
ano depois e depois de quatro anos montarmos nossa própria gravadora.
Estamos nessa há dez anos, mas a Lia nunca deixou
de ser adolescente. Mesmo com trinta e três anos continuava com seus cabelos
rosa e cara de seus vinte e pouco, o Logan por sua vez, era o empresário
certinho de nós quatro. Havia quase seis meses que nosso negocio vinha caindo e
não sabíamos que forma fazer para melhorar, e nas duas últimas semanas tivemos
quase certeza que iriamos fechar as portas.
- Dave, porque a gente não faz o que o Logan disse?
- O que ele disse?
- Cara, acorda. – Eu realmente tinha me perdido por
uns longos minutos.
- Eu disseque além das gravações poderíamos
investir em outras coisas junto ao cd.
- Capa, divulgação, fotos. – Complementou a Lia.
- Não sei. Vocês acham que daria certo?
- Claro, porque não? – Falava a Lia animada.
- Acho que precisamos conversar mais sobre isso. –
sorri animado depois de tanto tempo, e eles compreenderam como um sim.
Voltamos para a gravadora e passamos a tarde
planejando e pesquisando o que e como poderíamos fazer, toda e qualquer ideia
naquela hora seria bem vinda.
Passava das cinco da tarde e o Logan já tinha ido
embora quando a Lia entrou no estúdio trazendo um café pra mim.
- A gente poderia incluir sua mulher nisso, ela não
é fotografa?
- Não, a Savana não é minha mulher. E não, ela não
é fotografa, ela estuda fotografia.
- Como não? Ela faz as fotos da Teen Fashion. –
Revista adolescente que a Savana trabalhava há quase um ano.
- Sim, mas ela ainda não terminou a faculdade,
então ainda não é fotografa.
- Certo, mas como não é sua mulher se mora com você
há muito tempo?
- Ela fica comigo há uns meses, e como eu disse pra
ela, ela é minha garota. Não é serio.
Sentia a respiração da Lia ficar forte, coisa que
ela só faz quando estar com raiva. A olhei e estava certo, ela estava de cara
fechada.
- Sabe, Dave. Quando eu comecei sair com o Brad e
passei a dormir na casa dele, e tinha roupas minhas lá e eu dedicava meu tempo
a ele e a casa e fazia tudo por ele, eu me tornei mulher dele. E se depois de
tantos meses eu cuidando de tudo, fazendo de tudo e sendo mulher pra ele todas
as noites ele me dissesse que eu era apenas a garota dele, eu o mandava para o
inferno. E olha que eu nem sou tão novinha nem com cara de menina meiga que a
Savana tem.
- Para com isso. Ela é madura, sabe bem como sou e
ela não tem dessas coisas.
- Mentira sua, outro dia mesmo você disse que ela
quase enlouqueceu quando você deu um bichinho de pelúcia pra ela. E, cara, eu
nem sei como ela gosta tanto de você, não tem nada a ver um com o outro.
- Nos gostamos pelo oposto que somos.
- Frase pronta. Porque você permite que ela more
lá?
- Ela não mora lá, ela só dorme comigo lá. Não
temos nada certo, não é porque gosto dela e durmo com ela que ela é minha
mulher...
- Dave...
- E para com essas coisas, ideia de que sou casado,
não sou não, nem comprometido sou.

Gritei pra Lia
fechar tudo e subi na moto, mas lembrei da mochila, corri pra pegar e voltei
pra moto. Fiz minha moto fingir que tinha asas até chegar em casa o mais depressa
que pude. Cheguei em casa como louco chamando por ela, a porta estava fechada,
abri nem sei bem como, e quando entrei a casa estava vazia, ela não estava, mas
estava arrumada do jeito que ela fazia. Tentei ligar mas não consegui. Deitei
no chão da sala, estava sentindo uma coisa estranha dentro de mim, achei que
era devido o estresse do dia todo. Depois de muito tempo abri uma cerveja,
tomei e dormi ali mesmo, no chão da sala.
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