Acordamos com o telefone dela tocando.
- É a Beck. Atende, Dave. – Ela falou com uma voz
de sono que eu adorava.
- Oi, Rebeca. Porque está ligando tão cedo, o que
você quer?
- Não é Rebeca, não é cedo e quero falar com minha
filha. – era o pai dela.
- Sim... Um instante.
- O que você é da Savana? – ele perguntou.
- Você ligou pra falar com sua filha.
Savana levantou num sobressalto e arrancou o
telefone da minha mão. Enrolada no lençol começou falar com pai e deu sinal que
iria pra sala.
- Pai, oi... Feliz natal pra você também. Onde está
mamãe?
Tentei voltar a dormir mas não demorou muito para
que ela voltasse e me despertasse com um beijo nas costas.
- O que ele queria? – perguntei.
- Feliz natal... Essas coisas.
Dessa vez meu telefone tocou e ela atendeu.
- Olá. Boa tarde, feliz natal também. Dave? Sim,
sim, está aqui. Sua mãe – ela sussurrou.
O que foi suficiente para que eu arrancasse o
telefone das mãos dela.
- Oi, mãe. – eu disse já sabendo o que viria.
- Sua namorada? Estou tão feliz, meu querido. – a
voz da minha mãe estava feliz como eu esperava.
- Para com isso, nada a ver.
- Mas ela...
- Sem essa, mãe. Feliz natal.
- Ah sim, feliz natal. Eu e seu pai te amamos.
- Gosto de vocês.
Meu dialogo com minha mãe era sempre assim, e eu
agradecia por não ter muito o que conversar com ela. Mas Savana percebeu que
tinha algo errado depois que desliguei. Fiquei sentado ainda segurando o
telefone com uma expressão meio perdida. Eu esperava ouvir minha mãe mas não
era uma coisa que queria muito.
Quando eu tinha pouco mais de sete anos meus pais foram viajar e me deixaram na casa da minha tia, irmã da minha mãe. Mas sempre arrumavam
uma desculpa e uma nova viagem, adiando a volta. Andavam o mundo inteiro e muito raramente me
procuravam.
Terminei minha infância ali na casa dos meus tios
que muito pouco gostavam de mim e me tratavam como qualquer um, como um intruso
que realmente era. Não podia sair de lá por não ter onde ir, não saber como me
virar, menos ainda como fazer, e meus pais nunca voltavam pra me tirar dali.
O inicio da adolescência foi quando todos os
problemas começarem. Minha tia que não podia ter filhos começou a se afeiçoar a
mim, mas meu tio não aceitava isso, e ela acabava vivendo um relacionamento de ‘vai
com Deus para o inferno’ o que as vezes diminuía a ausência que meus pais
deixavam.
Meus tios tinham uma loja de peças para carros e
motos, onde fui obrigado a trabalhar, mas que para mim foi o inicio de uma
grande paixão. Já habituado no trabalho, meu tio passou a parar de brigar pelo
fato, de segundo ele, ser um inútil. Mas bem por essa época começaram as
bebedeiras, os cigarros, as noites acordado e as chegadas de ressaca na loja,
sem falar nas brigas que eram muito frequentes.
Aos dezesseis a situação já estava bem insuportável
pra mim e para meu tio, o que deixava nítido o sofrimento da minha tia, que por
essa altura acabou se apegando demais a mim, por me ver de uma forma que ela não
podia me ajudar. Por varias vezes eu e meu tio saímos no braço, o que desgastava
a todos, já que nos fins das brigas ambos ficavam muito machucados e minha tia
sem saber que posição tomar.
Quando estava com dezoito, a situação tomou um rumo
inesperado, minha tia começou a adoecer e tudo que fazíamos era inútil. Deixei de
sair, de beber, só pra estar com ela, quando eu estava na loja meu tio ficava
em casa e vice-versa. Todas as noites, ficamos tentando de algum modo anima-la
e animar a nós mesmo. Foram dois anos de uma batalha, só não perdida, porque conseguimos
recuperar algum laço familiar que havia ali. Já quando não haviam mais
esperanças e eu não sabia o que seria de mim, sem a única figura materna que
pude um dia ter. Mas o inevitável aconteceu e a noticia temida e esperada
chegou, minha tia faleceu e deixou o espaço que jamais imaginei que ela ocuparia,
foi embora deixando pra trás aqueles a quem ela dedicou a vida e o amor, o
filho e o marido.
Voltar pra casa sem minha tia e ter que encarar meu
tio foi desgastante de mais, era sofrimento por todos os lados naquela casa e na loja. Então resolvi seguir o caminho que me pareceu o certo naquele momento,
ir embora dali junto com a Lia, que sempre me ajudou quando a barra pesava. Ela resolveu ir embora por motivos que até hoje não entendo bem.
Deixei meu tio com o consentimento dele, e com a
certeza que de mim jamais ninguém arrancaria nenhum sentimento bom, pois todos eles
foram sepultados junto a minha tia que aprendeu a me amar em meio a ruínas que era nossa vida, e
me ensinou valores e significados importantes, se eu não tinha ela não me
importava mais ninguém.
Meus pais apareceram algumas mínimas vezes durante
o tempo em que minha tia estava doente, mas todas as vezes relutei em deixa-la
para seguir com eles, eles não tinham feito por mim nada mais que me porem no
mundo e me jogarem a ele.
Nunca deixei meu tio de fato, sempre que podia ia
visita-lo, e como sempre admirar nossa única paixão, motos.
Em relação aos meus pais, nunca os ignorei, nunca
os menosprezei, não precisava me preocupar com isso, a ausência deles não eram
nada comparadas a da minha tia, e desse dia e então, segui minha vida com
breves telefonemas em datas especiais e breves visitas.
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